Charcot, na história da neurologia, é considerado o pai da neurologia como especialidade.

A História da Neurologia

A neurologia é uma especialidade cujos estudos desenvolveram-se em períodos separados por um longo lapso temporal. Assim, a história da neurologia deve ser compreendida em sua totalidade e não somente a partir de sua consagração como especialidade médica no século XIX.

O nome de neurologia, oriundo do grego neuron, nervo, e lógos, estudos, foi usado pela primeira vez por Thomas Willis, em 1664 (Lawrence Jr., 1969, p. 55). Como especialidade autônoma, data do século XIX. 

Antes disso, desenvolveu-se lentamente, como parte da clínica médica, encontramos os seus primórdios já na medicina da antiguidade clássica, em particular na medicina hipocrática. Entende-se por medicina hipocrática aquela cuja descrição se encontra na coleção de cerca de setenta livros que formam o Corpus Hippocraticum e que teriam sido escritos, em sua maioria, nos séculos V e IV a.C. Muitos desses livros são considerados de autoria do próprio Hipócrates, enquanto outros são atribuídos a discípulos seus e a outros autores (Sigerist, 1961, pp. 260-295).

As origens da neurologia

Na Escola de Alexandria, Herófilo, 300 a.C considerou o cérebro como a sede da inteligência, em lugar do coração. Descreveu a anatomia do cérebro e do cerebelo, os ventrículos, tendo valorizado a importância destas cavidades do interior do cérebro.

Herófilo, cientista que contribuiu para a história da neurologia
Herófilo ou Herophilo

Erasístrato, 290 a.C, comparou o cérebro humano com o dos animais, verificando que a superfície cerebral no homem apresenta maior complexidade e maior número de circunvoluções, o que explicaria a superioridade da inteligência humana sobre a dos animais. Com maior segurança do que Herófilo, separou os nervos motores dos nervos sensitivos e descreveu o trajeto dos nervos dos órgãos dos sentidos (Dobson, 1927, pp. 825-832). 

O próximo passo no progresso dos conhecimentos neurológicos foi dado por Galeno durante o século II d.C. Galeno considerava o cérebro o centro das sensações e do pensamento, a sede da alma “porque nele se produz o raciocínio e se conserva a lembrança das imagens sensoriais’’. Estudou a anatomia do encéfalo em seus detalhes e descreveu sete pares de nervos cranianos. 

Galeno contribuiu para a história da neurologia na medicina clássica.
Cláudio Galeno

O surgimento da especialidade

A neurologia surgiu durante a segunda metade do século XIX, em Paris, França, com os professores do hospital universitário de Salpêtrière, os Doutores: Charcot, Pierre Marie e Joseph Babinski.

A França após a revolução napoleônica enfatizou a enfermaria hospitalar como o local mais importante para a atividade médica, e as medidas de saúde pública eram vistas como um dever do Estado, com a prática médica aberta a todas as classes. Nesse contexto, a França mostrou-se ambiente fértil para o desenvolvimento da medicina e tornou-se palco para o surgimento de uma especialidade médica, marcando a história da neurologia.

A principal característica da medicina do século XIX era a correlação das observações obtidas à beira do leito com as descobertas laboratoriais por meio de autópsia. Entre muitos nomes famosos é preciso o notável Charcot. Charcot adotou o método anatômico-clínico e tornou-se mundialmente famoso por meio de suas palestras clínicas no L’Hôpital de la Salpêtrière, em Paris. Muitos de seus alunos e/ou sucessores foram membros influentes da comunidade de neurologia francesa.

Charcot forneceu descrições clínicas e patológicas de esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica, neuropatia hereditária motora e sensorial e ataxia motora. Ele rotulou “paralisia trêmula” com o nome de Parkinson, e as “maldies des tics” com o de Gilles de la Tourette. Afasia e agnosia passaram por sua peneira, e alguns sinais e doenças receberam seu nome.

Apesar do domínio de Charcot na neurologia francesa, outros nomes significativos nesse campo desenvolveram carreiras de forma independente, como Charles-Édouard Brown-Séquard (1817-1894) e Joseph-Jules Dejerine (1849-1917). Dejerine foi aluno de Vulpian (Alfred Vulpian, 1826-1887) no Hôpital Bicêtre e colaborador de Charcot.

Fulgence Raymond (1844–1910), chef de clínica sênior de Charcot, sucedeu Édouard Brissaud (1852–1909) no Salpetrière, e Dejerine seguiu após a morte de Raymond (1910). É necessário mencionar que Brissaud, sucessor temporário de Charcot, também foi aluno de Pierre Paul Broca (1824-1880), um dos pilares da neurologia moderna.

Pierre Marie (1853-1940), um dos alunos preferidos de Charcot, professor da Faculdade de Paris (1889), criou um serviço de neurologia em Bicêtre. Em 1907, sucedeu Charcot na cadeira de Anatomia Patológica e, em 1918, tornou-se Professor de Neurologia Clínica na Salpêtrière depois de Dejerine. Mais tarde, Georges Guillain (1876-1961), que obteve seu doutorado médico em Paris em 1898, tornou-se Professor de Neurologia na Salpêtrière em 1923. Joseph Jules François Félix Babinski (1857-1932) em La Pitié, uma das estrelas do círculo dos “mestres”, tornou-se um importante líder da nova neurologia.

Charcot, na história da neurologia, é considerado o pai da neurologia como especialidade.
Charcot

As ilustres personalidades francesas Dejerine, Marie, Babinski e Guillain, integrantes dos “neurologistas parisienses” que formavam estudantes e médicos de todo o mundo, foram os principais mentores franceses de alguns pioneiros da neurologia brasileira. 

A história da neurologia brasileira

Antônio Austregesilo Rodrigues de Lima (1876-1960), que pode ser considerado o pai da neurologia brasileira, foi formado em Paris por Dejerine, Marie e Babinski. Escreveu uma extensa bibliografia sobre doenças mentais e, em 1912, tornou-se Chefe de Neurologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Lá, introduziu a nova especialidade, criou a primeira escola neurológica do Rio de Janeiro e foi um dos fundadores dos Arquivos Brasileiros de Neurologia e de Psiquiatria.

Antônio Austregesilo Rodrigues de Lima
Antônio Austregesilo Rodrigues de Lima

Aloysio de Castro (1881-1959), cofundador da neurologia brasileira, viajou para a Europa, onde ampliou seus conhecimentos em semiologia nervosa no Hôpital Bicêtre sob a supervisão de Pierre Marie.

Enjolras Vampré (1895-1938) é tido como o pai da Neurologia em São Paulo, na época a segunda escola neurológica mais importante do Brasil. Em Paris, teve aulas de Babinski, Dejerine, Foix e Bertrand (1908, 1925), e se formou no hospital Salpêtrière sob a supervisão de George Guillain.

Deolindo Augusto de Nunes Couto (1902–1992), o neurologista mais influente do Brasil de 1945 a 1972, foi discípulo de Guillain no hospital Salpêtrière (1935 e 1936), e junto com seus colegas introduziu o conhecimento médico francês, a metodologia e a forma de pensamento para o Brasil, que se tornaram pilares da neurologia brasileira.

Esses ilustres seguidores da escola francesa, fundadores e desenvolvedores da neurologia brasileira, deixaram um legado para as futuras gerações brasileiras. 

Outro marco da neurologia moderna foi a fundação da Associação Brasileira de Neurologia (ABN) no Rio de Janeiro em maio de 1962. Entre os marcos pós-modernos temos a criação de grupos de trabalhos e de departamentos científicos especializados em diferentes áreas da neurologia. A Neurologia pós-moderna se situa na atualidade e, especialmente, no âmbito da World Wide Web (rede de alcance mundial), na revolução de costumes, incremento ainda maior de conhecimento e de divulgação/ intercâmbio.